quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A Porta

Uma vibração percorre todo o meu corpo e desperta-me para a dor. Os meus ossos são sacudidos como se um terramoto tivesse o seu hipocentro dentro de mim. Abro os olhos em estado de choque. O que se passa? O que é isto?

O quarto está mergulhado numa luz esverdeada, doentia, sobrenatural. Olho para o meu corpo deitado na cama, coberto de suor e abalado violentamente por ondas sísmicas internas.

A intensidade aumenta e torna-se insuportável. Vou estilhaçar-me!

Tento gritar mas o ar é tão espesso como gelatina que abafa o som.

Isto não pode estar a acontecer! Só pode ser um sonho!

O meu cérebro luta para manter-se lúcido e sobreviver à dor.

Só pode ser um sonho! Repito vezes sem conta, até conseguir controlar o sofrimento real que o meu organismo está a experimentar.

Tenho que sair daqui! Tenho que acordar!

Ainda a ser atravessado por tremores de dor aguda, esforço-me por levantar da cama onde dormia até há instantes. Descubro com desespero, que a força da gravidade aumentou para o dobro e a atmosfera gelatinosa que me envolve, prende-me os movimentos.

Isto é só um sonho! Convenço-me. Eu consigo!

E com um esforço incrível de vontade e força física rasgo aquela substância pegajosa e avanço penosamente e com muito custo, rumo à porta do quarto.

Os abalos que me fustigam e drenavam a energia, ganham nova violência e espalham-se, agora, por todo o quarto. A própria matriz do Universo ameaça colapsar. Debato-me por manter o equilíbrio.

A porta está a poucos passos de distância mas aquela atmosfera densa, quase sólida, que me obriga a espremer-me para a atravessar, mais os tremores que abanam tudo que é interno e externo desta realidade contra-natura, tornam a minha progressão numa missão quase impossível!

A dor é insuportável! Estou esgotado! Não posso mais!

Conquisto mais um passo e a porta de saída fica mais próxima. A porta da minha salvação!

Tenho que conseguir!

Mais outro passo e estico a mão em direcção à maçaneta da porta, perfurando a gelatina que me envolve.

A dor! É tão intensa!

Estou quase a tocar-lhe com a ponta dos dedos. Estou quase a escapar deste inferno sísmico e gelatinoso de dor excruciante…

De repente, uma luz perfurante surge por detrás da porta, escapando-se pelas suas frinchas, atingindo-me os olhos. Fecho-os por reflexo.

O desespero invade-me como uma torrente furiosa e esmaga o meu espírito martirizado e esgotado. As dores não me dão tréguas. Estou a perder-me…

Não posso desistir! Volto a lutar para manter o controlo. Isto é só um sonho!

Semi-abro os olhos com receio de os ferir com a nova luminosidade e vejo a porta a ser abanada freneticamente por uma força invisível. Alguém ou alguma coisa está a tentar arrombá-la do lado de fora.

O que poderá ser? O que estará do outro lado?

Sinto medo.

A minha mão, presa pela gelatina, permanece esticada a uns meros milímetros da maçaneta.

Hesito em abri-la.

O que estará do outro lado?

O medo domina-me.

A porta ameaça saltar dos encaixes. O som dos abalos torna-se audível até se tornar insuportável. A sua violência é tanta que atinjo o ponto de saturação…

Acordo sobressaltado! Abro os olhos, aflito!

O quarto está mergulhado na penumbra. O mundo voltou ao normal!

Afundo-me na cama aliviado. O ar preguiçoso enche-me os pulmões sem pressa. O coração abranda o seu ritmo gradualmente até ficar sereno, quase imóvel, no meu peito. O corpo, ainda dorido pela experiência traumatizante, relaxa assim que esvazio os pulmões muito lentamente.

Sinto-me em segurança. Tudo não passou de um sonho…

Que sonho tão estranho e real!

Incrível! Ainda tenho dificuldade em digerir o que aconteceu…

Mas… agora que estou a salvo, fiquei curioso.

O que encontraria do outro lado se tivesse conseguido abrir a porta?

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O Labirinto

A rota foi traçada com segurança pelo compasso de Albragaan no mapa inter-estelar da Academia de Cartografia Galáctica.

O rumo a seguir era claro.

Os preparativos para a expedição não se fizeram esperar. Ia partir sozinho, animado pela minha vontade de desvendar o Grande Segredo.

Apanhei boleia de várias caravanas de mercadores e contrabandistas inter-galácticos que seguiam rotas secretas por entre estrelas e nebulosas, deixando-me cada vez mais próximo do objectivo.


Pelo caminho, visitei templos arruinados, santuários sagrados, palácios e mansões sumptuosas. Conheci populosas cidades imperiais, que moldavam a forma de planetas inteiros. Partilhei refeições com peregrinos e mendigos, ascetas e eremitas, barões e sultões, ladrões e guardiães, concubinas de haréns e prostitutas das sarjetas.

Conheci riquezas sem fim e misérias insuportáveis. Fui desviado do caminho, seduzido, amado, traído, rejeitado, perseguido, roubado e abandonado à morte.

E quando tudo parecia perdido, fui acolhido por uma companhia de saltimbancos, ciganos estelares. Vivi com eles durante anos, recuperei o meu rumo, o meu propósito, a minha identidade e um dia, despedi-me e continuei a minha jornada.

Atravessei paisagens exóticas vedadas ao comum dos mortais. Vi planetas desertos, florestas de âmbar virgens, manadas de seres estelares, ouvi o canto das Plêiades, nadei em mares conscientes, caminhei por avenidas há muito abandonadas por Deuses extintos. Assisti ao nascimento de estrelas e de berços planetários. Presenciei a colisão de galáxias e o fim de inúmeros sistemas solares. Espreitei no interior dos buracos negros e aprendi a língua dos astros e a Música das Esferas.

Até que por fim, depois de muitos anos de viagem, sofrimento e auto-conhecimento, cheguei ao meu objectivo:

O Labirinto!

Construção ancestral, cujas origens permanecem envoltas em mistério, tem a extensão de uma galáxia com vários anos-luz. O seu interior encerra a razão da minha busca, o motivo pelo qual errei pelo Cosmos por caminhos que nenhum mortal se atreveu a trilhar.

Muitas lendas e avisos assaltam a minha mente, prevenindo-me contra os terríveis riscos que aguardam os incautos. Nunca ninguém regressou do Labirinto, mas também nunca ninguém chegou tão perto da sua entrada.

É impossível prever o que os seus corredores infindáveis e tortuosos têm reservado para os invasores, nem tão pouco, saber se conseguirei revelar o Grande Segredo.

Uma pequena semente de hesitação tenta criar raízes no meu espírito. Ali à boca negra da entrada do Labirinto, sinto a tentação de voltar atrás, de desistir. Um bafo gélido vindo do interior obscuro junta-se à horda crescente de medos e receios que ameaçam invadir-me e obrigar-me a ceder e partir de volta a casa, derrotado e humilhado.

Todo o meu esforço seria em vão!

Inspiro fundo, fecho os olhos e repouso em silêncio. Calmo, sereno, identifico cada uma das minhas dúvidas e expiro-as da minha alma, lentamente, uma a uma, pelas narinas.

Não temerei nenhum mal!

A vontade de avançar e enfrentar o meu destino arde forte no meu peito. Descobrir o significado oculto no Grande Segredo é tudo o que me resta, tudo o que me move.

Sem perder mais tempo, voo para o interior do Labirinto e o brilho das estrelas é eclipsado pelo negro das paredes dos corredores intrincados. Mergulho na sua escuridão retorcida com um sentimento total de desprendimento.

- Estou pronto! Estou livre!

- Labirinto, aqui me tens! Desvenda os teus segredos!

E assim, a Aventura começa, finalmente…