quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Batalha nas Portas Sagradas (1ª Parte)

Lars estendeu o seu poderoso braço como plataforma de aterragem para o falcão peregrino que regressou da sua longa viagem. As suas garras cravaram-se na resistente pele nua do falcoeiro, sem lhe provocar qualquer lesão.

- Que notícias trazes das Savanas Douradas, fiel companheiro? – perguntou Lars assim que a ave recuperou o fôlego.

- Fiacha, o Rei Leão, te saúda como Senhor dos Ares, nobre Lars e pede-te ajuda nesta hora negra que se abateu sobre o reino das Savanas. – o falcão agitou as penas nervoso e prosseguiu o seu relato. – Smirlah, a cria do rei foi raptada e ninguém sabe por quem!

Lars meditou nas implicações que aquela notícia trazia. O equilíbrio entre os sete reinos estava em risco. Pior, a própria Criação encontrava-se ameaçada caso Smirlah caísse nas mãos erradas e certos rituais fossem praticados em locais que não convinham ser tornados públicos.

Sem mais contemplações, Lars levou o Corno de Baba Duur aos lábios e soprou com toda força.

O som ecoou pelo Vale dos Pináculos de Marfim e das suas grutas e abrigos nas escarpas, levantaram voo legiões de aves de rapina, em resposta ao apelo do seu mestre e senhor.

- Venham a mim, meus fiéis seguidores. O tempo urge! Smirlah a futura sacerdotisa do Círculo Branco foi raptada por agentes desconhecidos. Temos que a encontrar antes que o seu sangue seja derramado. A Criação depende de nós. Procurem-na por todo o Mundo!

Obedientes, as aves espalharam-se pelos sete cantos do Mundo em busca da jovem princesa.

Longe dali, no deserto de Ébano, uma extensa caravana de elefantes carregados com tendas de viagem e várias cestas de provisões, prosseguia a sua marcha por entre uma tempestade de areia que os fustigava.

A tempestade não dava mostras de abrandar, antes pelo contrário, aumentava gradualmente de intensidade.

Quando as condições se tornaram insustentáveis para os pobres paquidermes, saiu de uma das tendas, uma mulher que com um gesto ordenou o fim da tormenta.

O vento cessou imediatamente e as partículas de areia suspensas caíram ao chão.

Das restantes tendas empoleiradas nos possantes animais, saíram várias sacerdotisas que enalteceram a sua líder em profunda reverência:

- Viva Mashira, a sábia! Viva Mashira, pela sua imensa glória!

-Silêncio! – ordenou a misteriosa mulher com veemência. – Ninguém deve proferir esse nome nestas terras. A nossa missão deve permanecer secreta.

Submissas as sacerdotisas retiraram-se para o interior das suas tendas e a viagem prosseguiu mergulhada em silêncio absoluto, tal como o secretismo da sua demanda o exigia.

No interior da sua tenda Mashira removeu um lençol e descobriu a jaula dourada que aprisionava uma jovem cria de leão malhada.

- Minha bela Smirlah, em breve, todos os nossos problemas chegarão ao fim. Todos os enigmas serão resolvidos nas Portas da Montanha Sagrada. – Sorriu a Grã-Mestre da Ordem do Círculo Branco.

Não muito longe dali, no mesmo deserto de Ébano, dois remoinhos de vento deram forma a dois arqueiros que se prostraram aos pés da sua Rainha Tanger-Ina.

- Senhora do Arco de Jahalam, a vós eterna glória! – saudaram a rainha e continuaram. - Nós, vossos servos fiéis, vos trazemos palavras com asas velozes como o vento. A caravana de dez mil elefantes que invadiu os vossos domínios há quase uma semana, pertencem a Mashira, a Grã-Mestre.

- Mashira! – repetiu para consigo. – Mashira, a sábia, nos meus domínios! Então a hora chegou. O caminho para as Portas tem que ser bloqueado.

- Invoquem o meu exército de génios do vento, vou precisar de todos os arcos disponíveis. – ordenou a Rainha aos dois batedores. – Desta vez, não permitirei que Mashira leve a sua avante.

Do céu, as aves de Lars, Senhor dos Ares, avistaram o ajuntamento das forças de Tanger-Ina, a Arqueira de Jahalam.
Os sinais são evidentes, a batalha pelas Portas Sagradas está iminente!
As aves sentem a urgência da situação: precisam salvar a cria do Rei Fiacha das mãos das duas Arqui-inimigas.

As peças estão em jogo e todos os caminhos conduzem à entrada da Montanha Sagrada, onde o destino do Mundo será disputado.

(Continua)

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Mergulho Profundo

Mergulho cada vez mais fundo no interior deste labirinto cósmico.

É difícil escapar às suas armadilhas e ilusões.

O que é real, o que é imaginação?

Os limites do meu ser diluem-se com as memórias e fantasias projectadas por estas passagens e corredores intrincados.

A minha personalidade funde-se com o intelecto supremo que governa esta dimensão.

No escuro, mergulho cada vez mais fundo no interior desta divindade em busca do Grande Segredo.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

O Olho que tudo Vê 3ª e última parte

- O tempo urge, - continua a voz. - os nossos inimigos seguiram-vos do futuro até aqui. Há éons que eles tentam capturar este templo sagrado. Para evitar cair nas suas mãos, decidi escondê-lo num passado remoto.

- Vivi durante milhões de anos no exílio longe do seu olhar mas assim que as correntes cósmicas mudaram percebi que o fluxo temporal iria abrir um novo portal e permitir que eles viajassem do futuro até aqui.

- Só me restou enviar uma mensagem de socorro às gerações futuras, numa arca que pudesse sobreviver a todas as intempéries da evolução terrestre, pois já não tinha forças para realizar outra viagem espaço-temporal para longe daqui.

- Os primeiros mestres acabaram por arrancar aos estratos rochosos do deserto a arca com a mensagem. – intervém o homem oitocentista. - Conseguiram abri-la ao fim de vários séculos de tentativas e a mensagem encriptada foi transmitida de geração em geração até que por fim um sacerdote núbio conseguiu descodificar o seu conteúdo e, seguindo as instruções, construiu a máquina do tempo que iria permitir abrir o portal para o passado.

- Mas a mensagem não continha apenas instruções para a construção de uma máquina do tempo. – o homem do futuro prossegue com o relato dos eventos. – Também tinha as coordenadas espaço-temporais para o viajante encontrar esta pirâmide facilmente e ainda, guardava o material genético necessário para criar o guardião perfeito. Foram necessárias várias gerações até que o Escolhido para a missão nascesse com esse material. E aqui está ele. – aponta para o homem oitocentista.

- No entanto, o vosso enviado, - a voz na escuridão retoma o discurso. - não estava preparado para sobreviver neste ambiente hostil. A sua tecnologia rudimentar não o protegera. Vi-o chegar e sufocar à primeira inspiração. Foi necessário enviar nova mensagem para o futuro com instruções claras e precisas quanto ao necessário para levar avante esta missão com sucesso.

Os dois homens ficam atordoados com a segunda revelação. Afinal, os seus mestres limitaram-se a seguir instruções escritas numa era geológica remota! Não tinham a capacidade de ver o passado ou comunicar com seres de diferentes espaço-tempos! Que desilusão!

- Agora o tempo dos planos e treinos chegou ao fim. – a voz misteriosa volta a fazer-se ouvir. - Os eleitos devem tomar as suas posições e suceder-me na luta contra os nossos inimigos.

Dito isto, uma luz acende-se de parte incerta para iluminar um cubículo talhado na parede rochosa. No seu interior, os dois homens vêem um cérebro esbranquiçado, coberto de fungos e pó.

- A minha missão terminou. Removam-me e coloquem no meu lugar, o cérebro do novo guardião. Rápido, os nossos inimigos estão prestes a abrir uma fenda na estrutura desta pirâmide.

O homem oitocentista remove com reverência o cérebro do seu antecessor, volta-se para o seu companheiro e diz-lhe determinado:

- Sabes o que tens a fazer.

O homem do futuro acena afirmativo e sem mais demoras abre-lhe o crânio com uma arma especialmente desenhada para o efeito e, com uma velocidade treinada, remove-lhe o cérebro ainda vivo para o colocar no cubículo vazio.

De mãos quentes cobertas de sangue, o coração a martelar-lhe no peito e em estado do choque, vê o corpo sem vida do seu amigo cair desamparado em câmara lenta e desaparecer nas trevas envolventes.

Acabara de matar aquele que ainda há pouco lhe salvara a vida. Apesar do seu treino, de toda a sua preparação para aquele momento, não consegue evitar um sentimento de mau estar e náusea. É assaltado por um turbilhão de emoções contraditórias A dúvida instala-se.

E se tudo foi em vão?

A luz que até então iluminara o cubículo apaga-se. Tudo volta a mergulhar nas trevas.

Um momento de expectativa... e nada. O silêncio e escuridão profundos.

- Falhámos! – as suas incertezas materializam-se num sussurro. – Todo este esforço conjunto durante milhões de anos… e falhámos!

Os ruídos do ataque lá fora, intensificam-se. As explosões abalam com maior violência todo o edifício sagrado.

Está tudo perdido!

A pirâmide, o foco de todo o Poder, está prestes a cair nas mãos daqueles que juraram destruir a Ordem Cósmica.

Derrotado, o homem do futuro, carrega a sua arma de plasma e prepara-se para cometer o único acto que ainda lhe resta.

As explosões aumentam de frequência. Uma brecha é aberta, o recinto é invadido por uma presença ameaçadora, oculta pela escuridão.

O homem levanta a arma e encosta-a à cabeça. Sente a electricidade estática a eriçar-lhe o cabelo. Não será uma morte bonita, mas não a teme.

- Adeus mundo! Tentei mas falhei.

Sente o invasor a acercar-se dele nas trevas. Uma sensação de enjoo revolta-lhe as entranhas e os seus ossos gelam.

A descarga brutal da sua arma pulveriza-lhe a cabeça, salvando-o no último instante das garras do seu inimigo.

Tentei mas falhei…

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O Olho que tudo vê (2ª parte)

Com os instintos aguçados por anos de treino, o homem do futuro empurra o companheiro para o lado, salvando-o de uma dentada mortal e dispara uma descarga de energia, estorricando o dinossauro.

Seguindo-lhe o exemplo, o homem oitocentista, solta a potência da sua arma de plasma, eliminando o outro predador.

- Aha! Vencemos! – festejou satisfeito.

- Não! – responde-lhe o companheiro do futuro, enquanto, puxa umas fivelas do seu estranho fato. - Esta espécie ataca sempre em grupo, mais virão. Temos que chegar à pirâmide antes que apareçam.

- E como o faremos se não temos asas para voar? – pergunta o oitocentista com a adrenalina à flor da pele.

- No tempo de onde venho não precisamos de asas para voar. – dizendo isto, o homem do futuro lança-se no precepício, arrastando-o consigo.

Perplexo o homem do século XVIII, vê-se a pairar no ar.

- Como é possível?

- Este fato tem um sistema antigravidade especialmente concebido para esta missão. Os mestres da nossa ordem, do teu futuro e do meu presente, viram que seria necessário transpor este precipício para chegar à pirâmide.

- Eles previram tudo! É deveras extraordinário!

- Nem por isso, limitaram-se a olhar para o passado e registar o que seria necessário para ser bem sucedido.

- Ainda me dá um nó na cabeça ao tentar perceber como é possível.

O homem do futuro ri-se solidário.

- Eu deixo as questões técnicas para os mestres.

Os dois voam da borda do precipício até ao topo da pirâmide onde se eleva o grande Olho que Tudo Vê.

- É aqui neste ponto entre a pirâmide e o Olho que segundo os manuscritos que encontrei junto do sacerdote núbio, encontraremos a passagem. Não olhes directamente para o Olho. – adverte o homem oitocentista.

- Eu sei. Fui treinado toda a minha vida para este dia. – tranquiliza o homem do futuro.

Uma descarga de energia atinge a pirâmide numa explosão, sacudindo os dois homens do seu lugar.

Nova explosão e o homem do futuro desequilibra-se e cai do alto da pirâmide rumo ao precipício. O homem oitocentista atira-se para a frente mesmo a tempo de lhe agarrar a mão, salvando da morte.

- Consegues içar-te pelo meu braço? – pergunta por entre os dentes cerrados num esgar de esforço.

- Sem problemas. - O homem do futuro, atlético, conseguiu apoiar um dos pés na parede da pirâmide e com um impulso trepou pelo forte braço do amigo.

- Obrigado! Duvido que o fato anti-gravidade tivesse energia suficiente para me salvar o pescoço da queda.

- Agora estamos quites. – o oitocentista sorri-lhe, mas a expressão muda radicalmente. - Olha para o céu, a invasão começou! Temos que nos despachar.

O homem do futuro levanta o olhar na direcção indicada e não acredita no que vê. Toda a vida foi treinado para esta missão, sabia exactamente o que tinha pela frente, mesmo assim, não consegue evitar o choque da visão do seu inimigo ao vivo.

Os dois homens apressam-se a atravessar a porta que entretanto se abriu à sua frente, no espaço entre a pirâmide e o Olho radiante.

Mergulham na escuridão. Muito ao longe conseguem ouvir as explosões abafadas do ataque.

Faz-se ouvir uma voz que ecoa no espaço imenso:

- A minha mensagem foi recebida.

- Sim e nós respondemos. – dizem prontamente e em uníssono os dois homens. – Do futuro viemos para vos salvar.

Continua.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O Olho que Tudo Vê (1ª parte)

Veneza, Carnaval de 1800.

As ruas e canais enchem-se de cor e foliões mascarados. Música e gargalhadas ecoam pelas vielas estreitas e escuras da Eterna Sereníssima. A alegria é rapidamente oprimida pela mão pesada das tropas invasoras napoleónicas. Alguns tiros são disparados. Ouvem-se gritos. A multidão festiva dispersa, evitando as detenções.


No meio do tumulto gerado, um homem esgueira-se por uma ponte e sobe para uma gôndola que o aguardava do outro lado do canal. Paga ao gondoleiro e este condú-lo em silêncio pelas águas da cidade que adormece lentamente.


A gôndola chega ao seu destino e o homem misterioso, sem uma palavra de despedida, salta para a margem e dirige-se a uma porta fechada de uma velha moradia. Bate-lhe com o toque secreto que lhe foi segredado de manhã no mercado em frente à catedral de São Marcos. A porta abre-se e dá-lhe passagem para o interior.


Um mordomo mascarado recebe-o com um archote e guia-o por uma escadaria em espiral que desce até às catacumbas mais profundas e antigas de Veneza. À sua espera, encontra-se um grupo de homens bem vestidos, mascarados e de aparência aristocrática.


- Sê bem-vindo, confrade! Trazeis o artefacto?


- Sim, a expedição ao Egipto foi um êxito! Consegui encontrá-lo dentro da múmia do sacerdote núbio Akothep.


- Óptimo! Temos que nos despachar, antes que as tropas de Napoleão nos encontrem.

A irmandade secreta não perde mais tempo, forma um círculo à volta do artefacto e dão início ao ritual.


Alguns minutos depois, a catacumba ilumina-se por uma cor fosforescente e uma porta inter-dimensional abre-se a partir do artefacto.


- A passagem está aberta! Parti, caro irmão, e que os mestres vos concedam triunfo. O nosso futuro depende do vosso sucesso.


O homem misterioso despede-se dos companheiros e, sem hesitar, atravessa o portal.

Do outro lado, encontra uma floresta luxuriante repleta de seres vivos que ele apenas conhecia do registo fóssil. Mas o seu fascínio depressa é suplantado por uma constatação grave: não consegue respirar!
Tenta dominar o pânico mas acaba por desfalecer.

Os sentidos regressam lentamente e o homem misterioso desperta para a vida. Leva as mãos à cara e sente que esta está protegida por uma máscara estranha de vidro.

- É uma máscara de oxigénio. Se fosse a ti, não a tirava, pois o ar deste sítio é-nos tóxico. - responde-lhe um desconhecido com o rosto tapado por uma máscara igual à sua.– Na época em que foste enviado era-vos impossível saber que a atmosfera neste período pré-histórico nos é irrespirável, por isso, os mestres da nossa ordem, no teu futuro, acharam por bem enviar-me com a tecnologia necessária para te assistir na tua importante missão.

- Toma. – continuou o homem do futuro. – É uma pistola de plasma. Liberta descargas eléctricas, como se fosses Zeus em pessoa.

O homem oitocentista olha para a arma simples que se assemelha a um bastão curto com um botão a servir de gatilho.

- Agora temos que nos despachar, está quase na hora. – informa o homem do futuro com um tom imperativo.

Sem mais palavras, os dois membros da ordem secreta correm pela floresta densa do Cretácico, rumo ao seu destino.

Chegam por fim à borda de um precipício que se abre sobre uma cratera profunda. Várias cataratas enchem o seu fundo com um lago cristalino, formando uma paisagem de cortar a respiração.

A pairar no ar sobre o espelho de água, está uma pirâmide colossal construída de metal e pedra talhada, coroada por um olho radiante como uma estrela.

- O Olho que tudo vê! – exclama o homem oitocentista.

Os dois fitam hipnotizados o olhar supremo da pirâmide.

De imediato, são inundados por uma torrente de imagens, tudo aquilo que foi, que é e um dia será, condensados num instante estonteante. Todos os fluxos temporais do cosmos confluem para aquele momento. O homem oitocentista confirma a gravidade da sua missão. Tudo depende dele. Não pode falhar.

Um uivo cacarejado arranca-os de volta ao tempo presente. Ouvem-se vários outros uivos em resposta ao primeiro, lançando o pânico esvoaçante na floresta circundante. Os instintos de sobrevivência disparam, estão em risco de vida.

Continua.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A Porta

Uma vibração percorre todo o meu corpo e desperta-me para a dor. Os meus ossos são sacudidos como se um terramoto tivesse o seu hipocentro dentro de mim. Abro os olhos em estado de choque. O que se passa? O que é isto?

O quarto está mergulhado numa luz esverdeada, doentia, sobrenatural. Olho para o meu corpo deitado na cama, coberto de suor e abalado violentamente por ondas sísmicas internas.

A intensidade aumenta e torna-se insuportável. Vou estilhaçar-me!

Tento gritar mas o ar é tão espesso como gelatina que abafa o som.

Isto não pode estar a acontecer! Só pode ser um sonho!

O meu cérebro luta para manter-se lúcido e sobreviver à dor.

Só pode ser um sonho! Repito vezes sem conta, até conseguir controlar o sofrimento real que o meu organismo está a experimentar.

Tenho que sair daqui! Tenho que acordar!

Ainda a ser atravessado por tremores de dor aguda, esforço-me por levantar da cama onde dormia até há instantes. Descubro com desespero, que a força da gravidade aumentou para o dobro e a atmosfera gelatinosa que me envolve, prende-me os movimentos.

Isto é só um sonho! Convenço-me. Eu consigo!

E com um esforço incrível de vontade e força física rasgo aquela substância pegajosa e avanço penosamente e com muito custo, rumo à porta do quarto.

Os abalos que me fustigam e drenavam a energia, ganham nova violência e espalham-se, agora, por todo o quarto. A própria matriz do Universo ameaça colapsar. Debato-me por manter o equilíbrio.

A porta está a poucos passos de distância mas aquela atmosfera densa, quase sólida, que me obriga a espremer-me para a atravessar, mais os tremores que abanam tudo que é interno e externo desta realidade contra-natura, tornam a minha progressão numa missão quase impossível!

A dor é insuportável! Estou esgotado! Não posso mais!

Conquisto mais um passo e a porta de saída fica mais próxima. A porta da minha salvação!

Tenho que conseguir!

Mais outro passo e estico a mão em direcção à maçaneta da porta, perfurando a gelatina que me envolve.

A dor! É tão intensa!

Estou quase a tocar-lhe com a ponta dos dedos. Estou quase a escapar deste inferno sísmico e gelatinoso de dor excruciante…

De repente, uma luz perfurante surge por detrás da porta, escapando-se pelas suas frinchas, atingindo-me os olhos. Fecho-os por reflexo.

O desespero invade-me como uma torrente furiosa e esmaga o meu espírito martirizado e esgotado. As dores não me dão tréguas. Estou a perder-me…

Não posso desistir! Volto a lutar para manter o controlo. Isto é só um sonho!

Semi-abro os olhos com receio de os ferir com a nova luminosidade e vejo a porta a ser abanada freneticamente por uma força invisível. Alguém ou alguma coisa está a tentar arrombá-la do lado de fora.

O que poderá ser? O que estará do outro lado?

Sinto medo.

A minha mão, presa pela gelatina, permanece esticada a uns meros milímetros da maçaneta.

Hesito em abri-la.

O que estará do outro lado?

O medo domina-me.

A porta ameaça saltar dos encaixes. O som dos abalos torna-se audível até se tornar insuportável. A sua violência é tanta que atinjo o ponto de saturação…

Acordo sobressaltado! Abro os olhos, aflito!

O quarto está mergulhado na penumbra. O mundo voltou ao normal!

Afundo-me na cama aliviado. O ar preguiçoso enche-me os pulmões sem pressa. O coração abranda o seu ritmo gradualmente até ficar sereno, quase imóvel, no meu peito. O corpo, ainda dorido pela experiência traumatizante, relaxa assim que esvazio os pulmões muito lentamente.

Sinto-me em segurança. Tudo não passou de um sonho…

Que sonho tão estranho e real!

Incrível! Ainda tenho dificuldade em digerir o que aconteceu…

Mas… agora que estou a salvo, fiquei curioso.

O que encontraria do outro lado se tivesse conseguido abrir a porta?

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O Labirinto

A rota foi traçada com segurança pelo compasso de Albragaan no mapa inter-estelar da Academia de Cartografia Galáctica.

O rumo a seguir era claro.

Os preparativos para a expedição não se fizeram esperar. Ia partir sozinho, animado pela minha vontade de desvendar o Grande Segredo.

Apanhei boleia de várias caravanas de mercadores e contrabandistas inter-galácticos que seguiam rotas secretas por entre estrelas e nebulosas, deixando-me cada vez mais próximo do objectivo.


Pelo caminho, visitei templos arruinados, santuários sagrados, palácios e mansões sumptuosas. Conheci populosas cidades imperiais, que moldavam a forma de planetas inteiros. Partilhei refeições com peregrinos e mendigos, ascetas e eremitas, barões e sultões, ladrões e guardiães, concubinas de haréns e prostitutas das sarjetas.

Conheci riquezas sem fim e misérias insuportáveis. Fui desviado do caminho, seduzido, amado, traído, rejeitado, perseguido, roubado e abandonado à morte.

E quando tudo parecia perdido, fui acolhido por uma companhia de saltimbancos, ciganos estelares. Vivi com eles durante anos, recuperei o meu rumo, o meu propósito, a minha identidade e um dia, despedi-me e continuei a minha jornada.

Atravessei paisagens exóticas vedadas ao comum dos mortais. Vi planetas desertos, florestas de âmbar virgens, manadas de seres estelares, ouvi o canto das Plêiades, nadei em mares conscientes, caminhei por avenidas há muito abandonadas por Deuses extintos. Assisti ao nascimento de estrelas e de berços planetários. Presenciei a colisão de galáxias e o fim de inúmeros sistemas solares. Espreitei no interior dos buracos negros e aprendi a língua dos astros e a Música das Esferas.

Até que por fim, depois de muitos anos de viagem, sofrimento e auto-conhecimento, cheguei ao meu objectivo:

O Labirinto!

Construção ancestral, cujas origens permanecem envoltas em mistério, tem a extensão de uma galáxia com vários anos-luz. O seu interior encerra a razão da minha busca, o motivo pelo qual errei pelo Cosmos por caminhos que nenhum mortal se atreveu a trilhar.

Muitas lendas e avisos assaltam a minha mente, prevenindo-me contra os terríveis riscos que aguardam os incautos. Nunca ninguém regressou do Labirinto, mas também nunca ninguém chegou tão perto da sua entrada.

É impossível prever o que os seus corredores infindáveis e tortuosos têm reservado para os invasores, nem tão pouco, saber se conseguirei revelar o Grande Segredo.

Uma pequena semente de hesitação tenta criar raízes no meu espírito. Ali à boca negra da entrada do Labirinto, sinto a tentação de voltar atrás, de desistir. Um bafo gélido vindo do interior obscuro junta-se à horda crescente de medos e receios que ameaçam invadir-me e obrigar-me a ceder e partir de volta a casa, derrotado e humilhado.

Todo o meu esforço seria em vão!

Inspiro fundo, fecho os olhos e repouso em silêncio. Calmo, sereno, identifico cada uma das minhas dúvidas e expiro-as da minha alma, lentamente, uma a uma, pelas narinas.

Não temerei nenhum mal!

A vontade de avançar e enfrentar o meu destino arde forte no meu peito. Descobrir o significado oculto no Grande Segredo é tudo o que me resta, tudo o que me move.

Sem perder mais tempo, voo para o interior do Labirinto e o brilho das estrelas é eclipsado pelo negro das paredes dos corredores intrincados. Mergulho na sua escuridão retorcida com um sentimento total de desprendimento.

- Estou pronto! Estou livre!

- Labirinto, aqui me tens! Desvenda os teus segredos!

E assim, a Aventura começa, finalmente…