sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

O Olho que tudo Vê 3ª e última parte

- O tempo urge, - continua a voz. - os nossos inimigos seguiram-vos do futuro até aqui. Há éons que eles tentam capturar este templo sagrado. Para evitar cair nas suas mãos, decidi escondê-lo num passado remoto.

- Vivi durante milhões de anos no exílio longe do seu olhar mas assim que as correntes cósmicas mudaram percebi que o fluxo temporal iria abrir um novo portal e permitir que eles viajassem do futuro até aqui.

- Só me restou enviar uma mensagem de socorro às gerações futuras, numa arca que pudesse sobreviver a todas as intempéries da evolução terrestre, pois já não tinha forças para realizar outra viagem espaço-temporal para longe daqui.

- Os primeiros mestres acabaram por arrancar aos estratos rochosos do deserto a arca com a mensagem. – intervém o homem oitocentista. - Conseguiram abri-la ao fim de vários séculos de tentativas e a mensagem encriptada foi transmitida de geração em geração até que por fim um sacerdote núbio conseguiu descodificar o seu conteúdo e, seguindo as instruções, construiu a máquina do tempo que iria permitir abrir o portal para o passado.

- Mas a mensagem não continha apenas instruções para a construção de uma máquina do tempo. – o homem do futuro prossegue com o relato dos eventos. – Também tinha as coordenadas espaço-temporais para o viajante encontrar esta pirâmide facilmente e ainda, guardava o material genético necessário para criar o guardião perfeito. Foram necessárias várias gerações até que o Escolhido para a missão nascesse com esse material. E aqui está ele. – aponta para o homem oitocentista.

- No entanto, o vosso enviado, - a voz na escuridão retoma o discurso. - não estava preparado para sobreviver neste ambiente hostil. A sua tecnologia rudimentar não o protegera. Vi-o chegar e sufocar à primeira inspiração. Foi necessário enviar nova mensagem para o futuro com instruções claras e precisas quanto ao necessário para levar avante esta missão com sucesso.

Os dois homens ficam atordoados com a segunda revelação. Afinal, os seus mestres limitaram-se a seguir instruções escritas numa era geológica remota! Não tinham a capacidade de ver o passado ou comunicar com seres de diferentes espaço-tempos! Que desilusão!

- Agora o tempo dos planos e treinos chegou ao fim. – a voz misteriosa volta a fazer-se ouvir. - Os eleitos devem tomar as suas posições e suceder-me na luta contra os nossos inimigos.

Dito isto, uma luz acende-se de parte incerta para iluminar um cubículo talhado na parede rochosa. No seu interior, os dois homens vêem um cérebro esbranquiçado, coberto de fungos e pó.

- A minha missão terminou. Removam-me e coloquem no meu lugar, o cérebro do novo guardião. Rápido, os nossos inimigos estão prestes a abrir uma fenda na estrutura desta pirâmide.

O homem oitocentista remove com reverência o cérebro do seu antecessor, volta-se para o seu companheiro e diz-lhe determinado:

- Sabes o que tens a fazer.

O homem do futuro acena afirmativo e sem mais demoras abre-lhe o crânio com uma arma especialmente desenhada para o efeito e, com uma velocidade treinada, remove-lhe o cérebro ainda vivo para o colocar no cubículo vazio.

De mãos quentes cobertas de sangue, o coração a martelar-lhe no peito e em estado do choque, vê o corpo sem vida do seu amigo cair desamparado em câmara lenta e desaparecer nas trevas envolventes.

Acabara de matar aquele que ainda há pouco lhe salvara a vida. Apesar do seu treino, de toda a sua preparação para aquele momento, não consegue evitar um sentimento de mau estar e náusea. É assaltado por um turbilhão de emoções contraditórias A dúvida instala-se.

E se tudo foi em vão?

A luz que até então iluminara o cubículo apaga-se. Tudo volta a mergulhar nas trevas.

Um momento de expectativa... e nada. O silêncio e escuridão profundos.

- Falhámos! – as suas incertezas materializam-se num sussurro. – Todo este esforço conjunto durante milhões de anos… e falhámos!

Os ruídos do ataque lá fora, intensificam-se. As explosões abalam com maior violência todo o edifício sagrado.

Está tudo perdido!

A pirâmide, o foco de todo o Poder, está prestes a cair nas mãos daqueles que juraram destruir a Ordem Cósmica.

Derrotado, o homem do futuro, carrega a sua arma de plasma e prepara-se para cometer o único acto que ainda lhe resta.

As explosões aumentam de frequência. Uma brecha é aberta, o recinto é invadido por uma presença ameaçadora, oculta pela escuridão.

O homem levanta a arma e encosta-a à cabeça. Sente a electricidade estática a eriçar-lhe o cabelo. Não será uma morte bonita, mas não a teme.

- Adeus mundo! Tentei mas falhei.

Sente o invasor a acercar-se dele nas trevas. Uma sensação de enjoo revolta-lhe as entranhas e os seus ossos gelam.

A descarga brutal da sua arma pulveriza-lhe a cabeça, salvando-o no último instante das garras do seu inimigo.

Tentei mas falhei…

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