quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O Olho que Tudo Vê (1ª parte)

Veneza, Carnaval de 1800.

As ruas e canais enchem-se de cor e foliões mascarados. Música e gargalhadas ecoam pelas vielas estreitas e escuras da Eterna Sereníssima. A alegria é rapidamente oprimida pela mão pesada das tropas invasoras napoleónicas. Alguns tiros são disparados. Ouvem-se gritos. A multidão festiva dispersa, evitando as detenções.


No meio do tumulto gerado, um homem esgueira-se por uma ponte e sobe para uma gôndola que o aguardava do outro lado do canal. Paga ao gondoleiro e este condú-lo em silêncio pelas águas da cidade que adormece lentamente.


A gôndola chega ao seu destino e o homem misterioso, sem uma palavra de despedida, salta para a margem e dirige-se a uma porta fechada de uma velha moradia. Bate-lhe com o toque secreto que lhe foi segredado de manhã no mercado em frente à catedral de São Marcos. A porta abre-se e dá-lhe passagem para o interior.


Um mordomo mascarado recebe-o com um archote e guia-o por uma escadaria em espiral que desce até às catacumbas mais profundas e antigas de Veneza. À sua espera, encontra-se um grupo de homens bem vestidos, mascarados e de aparência aristocrática.


- Sê bem-vindo, confrade! Trazeis o artefacto?


- Sim, a expedição ao Egipto foi um êxito! Consegui encontrá-lo dentro da múmia do sacerdote núbio Akothep.


- Óptimo! Temos que nos despachar, antes que as tropas de Napoleão nos encontrem.

A irmandade secreta não perde mais tempo, forma um círculo à volta do artefacto e dão início ao ritual.


Alguns minutos depois, a catacumba ilumina-se por uma cor fosforescente e uma porta inter-dimensional abre-se a partir do artefacto.


- A passagem está aberta! Parti, caro irmão, e que os mestres vos concedam triunfo. O nosso futuro depende do vosso sucesso.


O homem misterioso despede-se dos companheiros e, sem hesitar, atravessa o portal.

Do outro lado, encontra uma floresta luxuriante repleta de seres vivos que ele apenas conhecia do registo fóssil. Mas o seu fascínio depressa é suplantado por uma constatação grave: não consegue respirar!
Tenta dominar o pânico mas acaba por desfalecer.

Os sentidos regressam lentamente e o homem misterioso desperta para a vida. Leva as mãos à cara e sente que esta está protegida por uma máscara estranha de vidro.

- É uma máscara de oxigénio. Se fosse a ti, não a tirava, pois o ar deste sítio é-nos tóxico. - responde-lhe um desconhecido com o rosto tapado por uma máscara igual à sua.– Na época em que foste enviado era-vos impossível saber que a atmosfera neste período pré-histórico nos é irrespirável, por isso, os mestres da nossa ordem, no teu futuro, acharam por bem enviar-me com a tecnologia necessária para te assistir na tua importante missão.

- Toma. – continuou o homem do futuro. – É uma pistola de plasma. Liberta descargas eléctricas, como se fosses Zeus em pessoa.

O homem oitocentista olha para a arma simples que se assemelha a um bastão curto com um botão a servir de gatilho.

- Agora temos que nos despachar, está quase na hora. – informa o homem do futuro com um tom imperativo.

Sem mais palavras, os dois membros da ordem secreta correm pela floresta densa do Cretácico, rumo ao seu destino.

Chegam por fim à borda de um precipício que se abre sobre uma cratera profunda. Várias cataratas enchem o seu fundo com um lago cristalino, formando uma paisagem de cortar a respiração.

A pairar no ar sobre o espelho de água, está uma pirâmide colossal construída de metal e pedra talhada, coroada por um olho radiante como uma estrela.

- O Olho que tudo vê! – exclama o homem oitocentista.

Os dois fitam hipnotizados o olhar supremo da pirâmide.

De imediato, são inundados por uma torrente de imagens, tudo aquilo que foi, que é e um dia será, condensados num instante estonteante. Todos os fluxos temporais do cosmos confluem para aquele momento. O homem oitocentista confirma a gravidade da sua missão. Tudo depende dele. Não pode falhar.

Um uivo cacarejado arranca-os de volta ao tempo presente. Ouvem-se vários outros uivos em resposta ao primeiro, lançando o pânico esvoaçante na floresta circundante. Os instintos de sobrevivência disparam, estão em risco de vida.

Continua.

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